Literatura de superação

De cima até eu sou pequeno

Uma experiência sem igual, o miraculoso da autodeterminação em primeiro plano – o destino está, amigo, em suas mãos, é só não ser um político contumaz do cotovelo para baixo. Conheça Divino de Montes, um terapeuta desempregado, com diploma virtual de hipnotizador master, que conseguiu um portento, após treinar exaustivamente, durante muitas horas vagas, suas inovadoras técnicas combinadas de reprogramação verbal e hipnose positivo-eletrônico-atualizada (mediante sobreposição ultrarrápida de imagens de mulheres lindas, das mães das vítimas e do próprio Divino, todos a dizerem: “não acorda que eu sumo”; vozes em geral trocadas). O portento de Divino — hipnotizou-se a si mesmo e virou escravo e símbolo máximo de seu ideário e de seus comandos imperativos. Uma autoprogramação total e duradoura. Divino, um cretino, tornou-se a partir desta experiência uma pessoa produtiva, reta, clara, rasa, impositiva, um personagem de comercial de homem de negócios confiante — confiante em que a interpretação seria perfeita para o tempo disponível. Divino conseguira a cura perfeita para o nosso tempo, afinal de contas. Estava além de todos os entraves, obstáculos e agressões gratuitas. E alguém pode negar ter sido isso obtido, afinal de contas, por iniciativa e comando próprios?

Desconcertante. Um dos itens principais do manual de autodeterminação a qualquer custo, da “receita Divino de Montes”, era justamente alcançar-se um… estado de “autismo funcional positivo-reciclador”. Isto sem dúvida foi obtido. Se xingassem a sua mãe, ele se apropriava das palavras mal colocadas e as “positivava”, afirmando, ele sempre tinha sido, sim, “filho dela, da luta”, e não abandonaria a luta por nada! Ele ia perseverar na… labuta, até encontrar outra luta e outra e outra: um destino. Quanto tantas lutas cobrariam, no final da… disputa? Não importava, valeriam a pena.

Se todas as ideias e a prática determinista de Divino eram refutadas por mero bom senso das pessoas ao redor, o bom senso precisava duma terapêutica de autoafirmação, para deixar de ser tão tímido também e apostar no Divino certo, com a convicção faltante às médias não hiperbolizadas, estrategicamente.

Se tomates eram jogados na sua cara, durante alguma de suas conferências: ora, manos, todos pensavam em sua saúde! Precisa não, queridos! Todos pensavam em sua maldita saúde e daí lhe forneciam aqueles vegetais (de graça! Um bom negócio!) Valeu, irmãos, obrigado pela sugestão de nova dieta. Tão importantes as hortaliças. Divino, claro, preocupado com a saúde pública, aproveitava as ocasiões para também discorrer horas inteiras sobre os benefícios das verduras em geral, do reaproveitamento do refugo, falava muito também dos ovos crus, mesmo um pouco passados, das cascas de abacaxi e de laranja, e assim também falava dos sucos de fruta, das raspas de telha (alternativa fake de cálcio para populações carentes, mas o importante era a fé) e dos excrementos, estercos em geral. Os excrementos sempre lembravam do saneamento básico tão deficiente e sobretudo lembravam de donde haviam provindo.

Se chamavam Divino de Montes de mentiroso, ele ria! Não, ele era a pura verdade! Aliás, ele era a própria realidade, por isso qualquer incompatibilidade (cuidado, hem?) era devida a desequilíbrios tratáveis por certo… pelo seu método. Desde que administrado pessoalmente por ele, Divino.

Hoje, um tanto inativo e encarcerado, é fato, hospedado num quarto populacionalmente correto de um manicômio judiciário muito seguro para os internos (depois de haver feito a própria esposa “lembrar-se para sempre: ela, depois de trair Divino com três seguranças, devia ficar esquecida idem”), lugar a propósito chamado por Divino de “centro de incompreensão de dissidentes”, do qual tem a honra de ser porta-voz oficial, posição esta obtida após todos os internos, juntos, também terem passado a evocar o passado do mestre, correndo atrás dele, perseguindo a liderança, exortando-a a voltar à luta (encorajamento este, aliás, cuja lembrança lhe provoca sorrisos fáceis de satisfação) — Divino era pouco ouvido por nós, mas isso não o abateu. Não se abateria jamais, sabemos.

Ao contrário, resolveu agora, pois, reagir, surpreender.

Com efeito, ainda na enfermaria da prisão, após ter tentado pular o muro do manicômio, incitado desta feita pelos demais prisioneiros (“eles todos me queriam um exemplo a ser seguido!”), Divino começou a escrever a sua própria história. Mas sob uma clave dita… paródica ou singular. Singular sim, seria uma espécie de… biografia ficcional, em parte. Melhor ainda, trata-se de um ensaio ficcional, e Divino mesmo se chama de “fissaísta” em uma das notas do livro.

Fissaísta? Mas por quê? Era o mais cabível.

É precisamente este o livro em foco aqui. Explicações do Divino, com suas três mil e quinhentas páginas em letras um tanto miúdas, abrange detalhadamente todos os fatos da história recente do legendário Divino de Montes, fatos presentes, por exemplo, nos jornais, e que tornaram este livro importante fonte (secundária) de consultas. Claro, os fatos são arrolados tal fossem “pura ficção do entorno”, como devem ser, afirma o autor. Os fatos oficiais seriam apenas exageros, erros de avaliação, invenções resultantes de mau entendimento da essência das coisas. Os eventos dos jornais são repetidos ipsis verbis e assim também as acusações sobre ele, Divino de Montes — e o autor, em notas espirituosas, explica o sentido real e beneficente, o sentido oculto dos palavrões sobre ele e sobre a família Montes. Divino disseca as razões das falsíssimas acusações de corrupção, a sua alentada loucura e, finalmente, a sua internação, após (tiveram a coragem de inventar isso!) ter matado a sua esposa num surto (“Eu rio sozinho durante mais ou menos uma hora e meia por dia, por causa dessas acusações da mídia, religiosamente do meio-dia às treze e trinta, eu considero uma reza mais eficaz a deus, nós ambos sabemos do absurdo que significa isso e sua Divindade sempre me recebe sozinho porque, se há necesidade de ritos, sejam bons! É a minha filosofia, o próximo livro vem aí, já estou no comecinho, página quinhentos e oitenta e oito!”). Além disso, dá as informações certas sobre sua pessoa, sobre a “vida real” e sobre a técnica de autorreprogramação positiva, que o fez um sucesso até mesmo nos ambientes mais inóspitos. A verdade está nas notas e só lá, um estilo decerto rastejante e cheio de veneno se prenuncia. Esse Divino não fica por baixo.

Deixe-se hipnotizar, você também! Compre Explicações do Divino e conheça um mundo bem, bem melhor.

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